Linger


          Eu estava morto. Estava lá, eu sei. Mas estava morto. Não sei como, não sei o porquê.  Só sei que estava morto. Sabe coisa de sonho? Você só sabe que é e ponto. Eu estava morto. Mas via todos.

          Eu passeava pelos lugares de outrora. Dos meus tempos de vivo, sabe? As pessoas estavam felizes, faziam as mesmas coisas e riam do mesmo tanto. Ninguém sentia falta.

          Passei pelo trabalho e o trabalho continuava ali, as pessoas também. Feições corriqueiras, atribulações diárias, piadas esporádicas.

          Tudo igual.

          Passei pelas salas onde tive minhas aulas até hoje. A aula era a mesma, o conteúdo era aplicado da mesma maneira, os babacas conversavam do mesmo tanto (e os que eu gostava também), os professores ora fingiam não ver, ora chamavam a atenção.

          Tudo igual.

          Em casa, meu quarto havia virado um depósito. Não havia fotos. Não havia nada que remetesse a mim. Não havia eu. Não havia lembrança.

          Tudo igual.

          Meus amigos ainda eram amigos, só não eram meus. Minha namorada estava feliz e seguindo a vida, só não era minha. Minha vida era um rastro apagado por um capricho divino, rastro esse que caminhava para obliteração completa, já que a minha lembrança era minha, só minha e compartilhada por mim, somente.

          Pela primeira vez, contestei um sonho. Não morri. Eu só deixei de existir.

          Tudo igual.

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