Glacialis Aetas
Quando eu era
bem mais novo, frequentemente sonhava com algumas realidades alternativas.
Sonhava que estava no meu quarto, mas havia fotos de outras pessoas, a
disposição dos móveis era outra e, algumas vezes, até as portas encontravam-se
em outro lado do cômodo. Quando eu conseguia olhar a rua não conseguia
enxergar seu final, encoberto por neblina densa e com cheiro de podre.
Sim, eu sei!
Poderia ter ficado rico criando a série milionária “Silent Hill”. Mas na época
os jogos sairiam para Master System. Não daria medo algum. Eu era uma criança
gorda e escorraçada por coleguinhas de classe babacas. Dá um tempo!
O que eu
queria dizer é que sonhei com isso de novo. Após tantos anos, após tantas
mudanças, a realidade alternativa de outrora veio a mim outra vez. Não sei se o
empirismo contido em minha vivência trouxe novos elementos mas, tudo estava
muito, enfatizo, MUITO mais perturbador do que eu lembrava. Não havia ninguém.
O sonho foi lúcido. Eu vivi aquilo! E isso me assustou muito mais que imaginar
apenas.
No sonho,
havia acabado de levantar e me arrumar para o trabalho, como habitualmente
ocorre. Pela janela, só o cinza aquoso da neblina matinal que impedia a vista
até da mureta mais próxima do meu quarto. Nada de anormal. Até que reparei que
não havia portas. Digo, havia passagens onde outrora deveria haver portas
também. Só as passagens. Saí de casa em direção ao ponto de ônibus. Não havia
ninguém na rua. Nem um som. Meus sapatos surrados estavam fazendo mais barulho
que qualquer coisa, até porque não havia mais coisa alguma. Cheguei à parada.
Nada, não havia ninguém. E eu sabia, eu estava consciente. Sabia que era um
sonho. O mesmo sonho de quando eu era criança. O mesmo sonho, atualizado,
revigorado, retroalimentado com muito mais agonia. Eu olhei em direção ao céu.
Não o vi devido à espessura da neblina. Nem achei estranho estar me sentindo
tão claustrofóbico em um espaço tão aberto. Incomodava-me muito mais não ter conseguido
acordar. E estar sentindo PERFEITAMENTE a dor no estômago de não ter comido
nada de manhã, sentindo cada centímetro de tecido que tocava meu corpo e cada
rajada de frio que vinha do horizonte mais cheio de nada que já tive
oportunidade de visualizar.
Resolvi ir
andando à UnB. Eu andei muito tempo, MUITO tempo. Para quem conhece; andei da parada
de ônibus da descida da minha rua até o posto da polícia rodoviária federal, após o
Flamingo. E lembro de todo o nada que me acompanhou pelo percurso. Parecia ter passado muito mais que duas horas de caminhada.
Quando cheguei
lá sentei no chão. Olhei para o céu instintivamente, pois sabia que nada veria.
Uma luz, aparentemente de uma lanterna forte, se acendeu dentro do posto da
polícia rodoviária. Imediatamente ouvi um estrondo horrivelmente alto, parecia
que uma represa de proporções babilônicas havia se rompido na direção da granja
do torto. Digo represa, pois junto com o barulho veio o som de água correndo,
não sei se consigo explicar, mas, parecia que haviam dado um jeito de suspender
toda a água do oceano e jogá-la de uma só vez naquela região.
Reservo-me
permissão ao exagero, realmente o som parecia preencher TODO o espaço a minha
frente. Agonia maior era somente ouvir, pois a neblina não me deixava ver.
Todo esse
desespero durou poucos segundos, pois após ouvir o estrondo do mundo rachando e
posteriormente o volume colossal de água quebrando no chão não demorei a
acordar. 04h32min da manhã, coração acelerado e tremedeira habitual.
Medo.
Acordei com
medo.
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